19/06/2008

Monstros

É muito mais fácil ser um monstro do que se imagina. No Holocausto da II Guerra, por exemplo, bastou não ver mais os judeus como humanos, coisificá-los como gado ou insetos, daí as atrocidades deixam de ser um problema para a consciência. Faz-se isto a todo o tempo, basta olhar como se esmagam homens feito moscas, mas o que chamamos monstros são aqueles fora de contexto, aqueles que não aceitamos, como Hitler na política internacional, patricidas e matadores de filhos na família urbana moderna, torturadores fora do extremo da guerra, etc. Basta lembrar que Alexandre queimou cidades inteiras, os avós de muitos nobres europeus mataram familiares e nós mesmos aceitamos a tortura conforme a vítima, tudo justificado pelos contextos. Mas o processo emocional de coisificação do homem, que liberta as nossas consciências, é o mesmo e os contextos são filhos do poder e do acaso. O monstro é aquele que se destaca das circunstâncias ou o que perde no jogo de forças. Ao odiarmos um monstro estamos olhando fundo nos olhos do espelho, por isso a caça às bruxas é a monstruosidade nos calabouços da alma espreitando a liberdade.

Reconversões

A mais vísível ruga da velhice são as reconversões de meia-idade. Quando a morte aproxima-se (é inevitável não vê-la com o passar dos anos) os recém-velhos querem apaziguar-se com a vida, retomam valores de unidade divina, reconvertem-se ao mundo de paz e conforto das religiões da sua infância – voltam às igrejas, abandonam suas idéias mais radicais, refastelam-se no sofá dos cabelos brancos, ou seja, redimem-se da própria vida. Nada mais odioso que negar o poder da juventude pela força do medo. Esta é a verdadeira velhice.

Uma Farsa: a Civilização

O espanto com os instrumentos que os europeus passaram a fazer depois do Renascimento, e com as façanhas que eles permitiam, foi tão grande que começaram a confundir a ferramenta com o homem, daí veio a mentira do progresso: homem e cultura se aperfeiçoam como engrenagens – a civilização. E nada melhor que o ideal platônico de perfeição para casar com o fim desta “evolução humana”: caminho e destino. Kant, Hegel, Marx, Gramsci, Habermmas, são filhos deste espanto – finalmente puderam descer o caminho da salvação do céu medieval para a terra renascida. Mas tudo é um grande engano, progresso é a salvação monoteísta palatável para o homem moderno. Na natureza não há perfeição nem planejamento – se os dados são viciados é obra dos acasos. E a nós, que somos um acaso, cabe escolher o caminho e o destino.

Excluídos

Aqueles a quem chamamos excluídos não o são. Todo um sistema social com suas estruturas burocráticas, uma cultura própria, linguagem e muitos milhões cercam os excluídos. Eles são sim incluídos em uma economia particular de subalternos. Basta olhar as favelas rodeadas de funcionários de repressão, assistência, controle, o comércio, a dinâmica de uma pequena cidade. Quanto não circula por lá? Pode-se sim estar insatisfeito com a condição de subalterno, e isso é uma faceta do discurso da exclusão, a outra é o interesse na manutenção desta economia assistencial-repressiva. Sem querer o excluído, ao dizê-lo, mantêm-se onde está.

Das penas

Como ainda vivemos na época da superprodução, as penalidades dizem querer consertar o criminoso, readaptá-lo ao funcionamento normal da máquina social, o que não é nenhuma novidade, leia-se: Foucault. Mas o que a bondade cristã da nossa moral, velada na filosofia de hoje, não nos deixa enxergar é que extravasar o sentimento de vingança é prova e reafirmação dos valores que defendemos. A pena não é mais que uma tortura para o criminoso, enquanto é nossa rejubilação moral. A pergunta correta seria: que tipos de sofrimentos queremos impingir? O homem bondoso esconde esta verdade detrás de argumentos que ele crê puramente racionais enquanto a própria razão é sua venda.