22/12/2007

Santíssima Trindade Bizarra

Mais que precisar matar o homem em seu Deus para adorá-lo, os cristãos transformaram a família em um bizarro triângulo sem mãe, substituída pela figura masculina ou assexuada do espírito santo. Diferente dos gregos pré-decadência, temos muita dificuldade em lidar com símbolos, por isso eles costumam ficar nas entrelinhas, e não é difícil associar a mulher à criação ou à Gaya Terra. Longe das voluptuosas Deusas-Terra dos pré-mesopotâmicos, essa mentalidade posteriormente cristã já começa a despontar antes de Platão, quando, no Édipo de Sófocles, a culpa lhe atinge como um valor supra-terreno, apesar de ele, a vox populi da época, sempre dizer-se inocente – o destino e o flagelo deixaram de ser arte para surfar na física sobre-natural.
Hoje, a vox populi já chama pelo sangue terreno da mãe cristã em Maria Madalena e os best sellers provam que estamos prontos para ele.

Maomé foi casado com uma mulher rica e mais velha, onde está a mulher no Islã? Já nos causa repulsa a repudia ao feminino.

Pelas entrelinhas, os velhos símbolos renascem.

20/12/2007

Paisagem

Era naquela fresta aberta pelo tempo
que transcorria o filete de vida do mundo de fora
pelo pouco de luz
vazando ao buraco
da janela velha,
já caduca.

E porque as duas coisas ocupavam o mesmo lugar,
entrelaçando em um só espaço,
naquela casa começava a rebentar o impossível.
Era a janela reta, imóvel, que
por ser velha,
não era mais janela,
era se desintegrando -
a ruína que o tempo traz.

E a casa ia se desmontando
enquanto o mundo vazava-lhe a janela –
há continente para o mundo que transborda
pelas frestas.

Na poeira suspensa,
o ar tensionava
como a expectativa de que tudo vai se assentar
à espera milimétrica da grande revolução.

Mas isso é só o velho desejo
de corte fino
que provoca,
te iludindo completamente,
o impulso de vida,
e te faz olhar o futuro
com os olhos de hoje,
e então,
tudo é agora.

15/12/2007

Mono e politeísmo

O politeísmo sempre esteve muito mais próximo da natureza do homem que o monoteísmo. Os Deuses são representações das diversas máscaras humanas: raiva, submissão, bonança, vingança, domínio. Já o monoteísmo é a representação simbólica e o instrumento ideológico da concentração de poder, do controle - os papas, os aiatolás, na falta de força terrena, precisam de uma farsa pictórica para justificá-los, como um espelho do outro mundo onde eles se reflitam, por isso no reflexo há só um e não uma multiplicidade. O politeísmo já pode ter servido às forças terrenas, mas nunca as pretendeu dominar e no mais das vezes são seitas múltiplas e esparsas como o candomblé e o hinduísmo, reflexo das multidões no imaginário metafísico.

O budismo é a exceção, há só um reflexo, mas o ideal é politeísta. Isso porque até o seu além serve para direcionar a vida para este mundo.

O fato de a semente do mundo já germinar na mente dos últimos séculos, só vai enfraquecer o monoteísmo, e o número crescente de islamitas é a contra-reação natural a retardar a inevitabilidade dessa gestação.

Os próximos séculos vão continuar a ver o esparsamento da religião até a sua desestruturação como instituição para ocupar o devido lugar na liberdade ou estupidez individual. Vamos adorar cada vez mais Deuses, mais fragmentários, até que eles se pulverizem nas singularidades de cada homem e, por fim, só restará Ele, o homem.

Encontra-se

Já deveria saber que nestas horas não há nada o que se dizer para si mesmo. Quando a noite revela as angústias acalentadas pela euforia do dia e aquela pessoa verdadeiramente escondida sob tantas se prostra pasma diante dos meus olhos de espelho. É neste instante que a solidão me esmurra contra a parede, sombreando a fome do mundo, os genocídios, a miséria –
onde estão?
Nem o desejo da arte e da carne me distraem de mim, e esse encontro é tão inebriante quanto o verão esmerilando em Sol a pino.

10/12/2007

Três Pensamentos Sobre a Lógica

1.

Aluno: o que é a lógica?

Professor: Se A é B e B é C, logo A é C. O resto são desdobramentos.

Aluno: Ora, se A é C, então por que A é A em primeiro lugar?


2.

A lógica é a preguiça do pensamento. Nela, tudo se resume a achar igualdades sob a lente da distância, mas quando chegamos bem perto do mundo, das coisas, nada é realmente igual, por isso é tão difícil entender os átomos e coisas menores: paradigmas inadequados. Platão era um preguiçoso para o mundo, preferia relaxar a mente no além, e o bocejo inicial fecundou no solo fértil da decadência grega e do monoteísmo metafísico medieval. Nietzsche dizia que achar igualdades talvez fosse uma vantagem evolucionária em nosso cérebro selvagem, hoje vejo que é pura preguiça sob o véu do rigor científico.

Veja: distância e proximidade são visões possíveis e, por vezes, contraditórias, mas atenção, já é hora de nos reaproximarmos das coisas – bem-vindo ao mundo!


3.

Quer fazer um avião voar? Use a gravitação de Newton.
Quer entender as estrelas? Use a gravidade relativa de Einstein.
Precisa de igualdades? Use a lógica
Precisa de diferenças? Uso qual ferramenta?

Awaking

As morning shines,
sun lies betwen times,
inside my eyes,
visions rise
in powder divisions.
Sleeping thoughts awake my body
in his endless night,
sleepering me into my life.

Desenlace

A noite invade as brechas do espírito
e vai arrancando as cascas bem devagar,
desbotando um prazer leviano.
Cinco mil lembranças vão emergir,
e só duas ou três vão marcar minha retina
a reluzir no amanhecer.

05/12/2007

Nobreza

Rir da nobreza é a seta que aponta seu declínio. Os bobos-da-corte tiveram seu auge já na decadência da idade média porque o riso mostra quão frágeis estão os valores que sustentam a classe. Rir é o descompasso entre o que percebemos e o que sentimos. Porém demorou 4 séculos até que de pequenas ascensões burguesas rebentasse Napoleão – o primeiro plebeu que se fez nobre – não sem uma violenta reação contrária. Hoje já é comum à plebe ascender à nobreza, meio milênio depois dos coringas. Mas lhes pergunto: já não estamos rindo da nossa nobreza?

Em um milênio, algum historiador olhará nossos jornais e televisão dando uma boa risada.

30/11/2007

Viver é Verbo...

Nos dias da rotina,
de pilhas de papéis e tarefas repetitivas,
o que até uma máquina faria,
mas não há máquinas para elas,
nesses dias de todos,
dias de trabalho,
da recompensa pelo bom comportamento,
que te dá o pão-de-todo-dia,
no cálculo da vivência
que te come a felicidade nos detalhes,
no cômputo das decisões que não se pode tomar
e dos sonhos enferrujados,
no desejo recalcado
que espreita tímido,
nas frestas por onde vive
o Serurbano.

Sarcasmo e Cinismo

Sarcasmo é superar o que não se suporta mais com humor. O riso sarcástico desnuda toda a fragilidade odiosa porque quem ri descarna seu corpo da permanência para recompô-lo em novos valores, nova vida. Já o cinismo é ressentimento contra aquilo quando ainda se está preso nele, e não o desprendimento da compaixão como séculos de cristianismo fizeram crer. Afinal, quem encoleira o cachorro é o homem, e quem gosta delas tem patas. O riso é nossa mola, mas cuidado, há hienas sarcásticas.

Aquela história de que Alexandre seria Diógenes se não fosse O Grande é invenção das hienas cristãs!

Escola e Educação

Escola vem de lazer – skhole em grego. O que temos definitivamente não são escolas!

Já educar vem do latim ex ducere – conduzir para fora -, quando as escolas preocupam-se mais em enfiar protoconhecimento nas cabeças dos alunos.

Hoje não temos escolas nem educação! Nem mesmo onde temos.

29/11/2007

Reflexos

Um sentimento áspero me toca a pele.
No espelho dos seus olhos,
refleti minhas frustrações
e o seu corpo me enlaçando em um abraço de medusa.

As memórias se deixam perder
ao inspiro do momento
e talvez por isso tenha sido tão relapso em te perceber
desnuda sobre mim,
aberta de rebento,
em insípida indiferença deflorada.

Metalíngua

Só:
a companhia de duas letras
no isolamento tácito
de um uníssono stacatto.

Máscaras

No espaço entre os acontecimentos,
no meio tempo das tristezas
e das felicidades,
quando desejo o cotidiano tão repetitivo,
eu existo.

Existo e vivo,
Eu me sei -
não porque gasto a vida preenchendo o dia de pequenas ocupações,
prorrogando a morte inevitável,
mas porque sou inexoravelmente só o que sou;
sem máscaras;
sem expectativas.

Pirataria: o Autismo Proposital


Com um certo ar romântico, não poderiam escolher um nome melhor para as cópias não autorizadas de música, filmes e seja lá o que se pretenda duplicar, muito embora, se fôssemos brasileiros do séc.XVIII, não acharíamos nada de romântico nos piratas.

Com o estandarte de artistas famosos e encabeçada pelos executivos de grandes empresas, vemos muita campanha contra a pirataria. Por que então, apesar da concordância politicamente correta ou, sem eufemismos, hipócrita, de que copiar é errado, persistimos, com pouco ou nenhuma culpa, a comprar e partilhar piratas?

Existem dois Brasis e duas piratarias bem distintas: dos incluídos e dos excluídos digitais. A última é tão simplória que me causa calafrios ter que explicá-la.

Quem não tem acesso fácil à internet compra seus cd´s e dvd´s em camelôs. Eles dividem-se naqueles que tem alguma condição financeira e outros de situação mais precária, a grande maioria.

Para quem ganha R$1.300,00 reais por mês, ou até mais, tendo que manter casa, pagar imposto, educar os filhos e não sobra para saúde particular, é tudo muito simples – ele simplesmente não pode pagar R$30 reais em um cd ou R$50 em um dvd. Há duas opções: ou ele só ouve rádio e assiste a filmes da tv aberta ou compra pirata.

Na primeira opção ele estaria condenado a viver com a pouca liberdade de fluxo de 40 anos atrás, e como não é de bom tom ficar preso ao passado, nem aceitar condenações injustas, não há qualquer culpa a sentir-se por piratear a arte, afinal, ninguém vive só de pasto e água.

Não é uma questão de ser intrinsecamente certo ou errado, é a realidade econômica da desigualdade: ou os preços são acessíveis ou haverá cópias a preços acessíveis, não importa o quanto berrem os artistas para que o coitado classe-média-baixa-brasileira abdique do livro didático de seu filho para ouvir legalmente a melancolia crônica sertaneja e outros commodities sonoros.

O segundo caso, daquele que poderia pagar, mas prefere o preço mais acessível, parece com daqueles que têm acesso à internet – ambos poderiam pagar. É indiscutível que, como o jogo do bicho, há uma aceitação geral, por isso as campanhas de convencimento contrário, mas por quê?

Aqui, a resposta é o que faz jus ao nome. Aqui nos sentimos verdadeiros piratas contra o stabilishment. Aqui a indústria opta por ser autista e convida-lhe ao isolamento para salvar a própria pele enquanto eu lhe convido à realidade.

O que comprávamos 20 anos atrás? Enormes LongPlays de vinil. Há 10 anos? Cd´s espelhados. Ainda queremos os cd´s, com sua limitada capacidade para míseras 15-20 músicas, ocupando espaço com suas caixas desajeitadas e quebradiças, incapazes de acompanhar-nos em uma corrida, um passeio de bicicleta? Não preferimos arquivos mp3 e AVI para carregar em qualquer lugar, qualquer hora, sem ocupar espaço, com centenas, milhares de músicas e vídeos, não quero o meu repertório acompanhando-me no carro, em casa, trabalho e no passeio a céu aberto?

A indústria diz não, porém deixe-me ser claro com as gravadoras e seus porta-vozes – eu NÂO quero comprar um cd e NÃO quero pagar R$ 2 reais por música! Os tempos mudaram e as gravadoras ficaram na pré-história digital.

Como eu, um consumidor, quero impor um preço? E os empregos nos bastidores da fabricação dos cd´s?

Retruco - quanto do preço do cd paga o custo do conteúdo (música, software, etc), e quanto custa o produto palpável (o disquinho espelhado, a impressão, a caixa colorida, os impostos pela sua produção, o custo do ponto de venda e seus impostos, etc)?

Repare - um artista e sua banda vão ao estúdio e gravam uma música. Depois de mixado, o que queremos ouvir está pronto e acabado. Há duas saídas: fabricar, colorir, encaixotar, transportar, anunciar e colocar à venda um objeto concreto ou simplesmente colocar o produto diretamente à venda virtual sem maiores despesas.

Na opção velha, o mercado consumidor está restrito a umas poucas quadras dos pontos de venda, cada um envolvendo custos, tempo e impostos. Na escolha da era digital, o mercado consumidor engloba, virtualmente, todas as quadras urbanizadas do planeta.

Moral: o produto da era digital é infinitamente mais barato e o mercado consumidor milhões de vezes superior ao daquele da época de fluxos mais restritos, em que ainda precisávamos tocar nas coisas para sentir o prazer pueril de tê-las.

Não é à toa que não sentimos nada de errado em piratear esses palpáveis. Sem conseguir verbalizar, favor que lhes faço agora, sabemos que o mercado mudou, o produto é outro, que não queremos mais o comércio de 15 anos atrás. Em nossas mentes velozes, acostumadas ao fluxo incessante de informações e sensações, não cabe mais a idéia de pagar R$ 30 reais em um objeto onde vou encontrar 2 ou 3 músicas que quero ouvir repetidamente e o resto que vou acabar escutando por inércia ou R$ 50 reais em um filme que vou ver 1 ou 2 vezes e sabe-se lá quando de novo.

A indústria é autista a essa realidade?

A maioria dos seus alto-falantes é. Levados pela crença de que precisam da indústria, e de que sua falência os abocanhará, os artistas são a face visível desta luta fadada à gargalhada histórica. Não vêem, talvez por cegueira ou medo de mudar, que uma pequena verba para gravar suas criações e divulgá-las na internet fará com que um baiano, um árabe e um chinês ouçam sua música. Além dos shows, contato insubstituível com a sensibilidade humana, propagandas e patrocínios podem vir juntos sem incomodar o ouvinte, como já vemos todos os dias em milhões de sites grátis na net - idéias não faltam, tenho mil sugestões.

Cadê a indústria e seu aparato de empregados, altos salários e glamour nessa equação?

Aí está a resposta para o seu simulacro autista, todo o seu aparelho legal de proteção, o marketing anti-pirataria e o excesso de noticiários atacando o óbvio – o mercado mudou, junto com ele a grande indústria gravadora de músicas e distribuidora de filmes tornou-se obsoleta e, com ela, toda a mão-de-obra que emprega. Os movimentos anti-fluxo, pró-palpáveis, são o último suspiro a render mais alguns minutos de vida às grandes organizações deste mercado.

Não é desumano desempregar toda essa gente? Não mais que desempregar tecelões com a criação da máquina de tear – essa discussão é do início da industrialização. A capacidade de adaptar-se rapidamente é o preço do mundo moderno pelo domínio da natureza – quem não quiser pagá-lo, diz o mundo, que se isole no meio do mato.

No Brasil, as contradições são tão arraigadas na cultura que a mentalidade da população já está na era digital, mas suas mãos não. O melodramático sertaneja, o ordinário trabalhador urbano classe-média-baixa, inseridos na contemporaneidade pela comunicação de massa, ainda não podem baixar produtos na net e levá-los consigo, porém já não aceitam mais o mercado antigo.

Alguns não podem pagar pelo produto antigo, outros podem e já não os aceitam mais e outros são ambos. Em parte, essa complexidade explica a resistência à pirataria no Brasil, mas somente na parte mais velhaca.

O que fazer então? A única resposta segura é que, como os celulares, antes produtos das elites urbanas, a virtualização da vida vai, mais cedo ou mais tarde, alcançar o mato, favelas, subúrbios e os vovôs da tecnologia.

É questão de tempo para que todos os telefones sejam móveis, as músicas, filmes e tudo mais que se carregue em pequenos aparelhos flua livremente pelos espaços exatamente por não ocupá-lo realmente.

A pirataria física, uma contradição em si, é mais o rebento da desigualdade entre as mentalidades e as possibilidades materiais. Já a pirataria digital é a contemporaneidade esgueirando-se entre interesses de mercado rumo ao fim inevitável de encerrá-los no passado junto aos LP´s, são as próprias leis do capital, da oferta e procura em termos crus, atuando contra o poderio daqueles que sempre as pregaram, são as regras do sistema utilizadas contra ele mesmo. Como piratas, não temos remorso de emboscar o sistema pelas frestas, utilizar suas armas, em nossas mentes, somos donos da liberdade de fluxo.

O fenômeno como um todo é uma receita mais profunda - a cópia de marcas, por exemplo, é a irremediável necessidade de consumo temperada com a falta de legitimidade do acesso restrito, tudo remexido na era dos fluxos. Mas chega por hoje, só dei uma resposta à indústria fonográfica por agora, e até agora.

26/11/2007

Exílio

Quando chega a hora do degredo,
meu corpo é meu exílio,
e não espero calor humano;
um sorriso espontâneo
de garoto me recebe –
ele sabe que felicidade não se embrulha para presente.

23/11/2007

Mutation

Swift shifts.
Shifts are swift.
So fast
we can´t resist.

Torpor

Menina bonita dos campos de papoula
me plante,
me regue,
e me colha.

Me leve como o pólen que pontilha o espaço
na dança frenética
ao fecundar dos machos.

Me feche hermético num plano de felicidade
que não se tem há séculos
e está longe das trindades.

Seja o instante tudo que tenho e tive
e a rima da forma
o que me exprime.

Que música soe constante nos meus ouvidos
para aplacar a dor
dos meus insanos gritos.

Seja além de minha tumba,
minha cruz,
que hoje se morre para viver
entre a penumbra e a luz.

Nome

Pode ser navalha
e pode ter corte,
como pode,
sem gume,
ser o afago antes da morte.

Pode não ser arma,
nem instrumento.
Pode ser cimento
e pode conter um rebento.

Pode os poderes que possui
e as potências inatas
do som
e de seu nome:
palavra.

Os Últimos Homens

Por que homens tornam-se bomba? Por que um favelado entra para o tráfico? Essas perguntas, as mais relevantes de nosso tempo, têm tido as respostas mais rasas, os clichês mais baratos tem servido para consolar a curiosidade humana: 60 virgens e um Reebok, ou seja, em linguagem intelectualizada, para satisfazer aqueles que se chamam de intelectuais, a radicalização religiosa e a desigualdade social, em resumo.

Será que é concebível no século XXI, quando quem troca a certeza de uma cura religiosa por um tratamento científico ser considerado não menos que um louco, que alguém exploda-se para ir ao paraíso? Seriam eles anacrônicos homens-medievais, contra-cruzados conquistando o Ocidente 6 séculos depois?

Nada está fora de seu tempo e, hoje, sob quase nada deixa de pairar a massificação das idéias, por isso esse olhar de estranheza do homem-médio ocidental para o islamita radical. Ele o vê como um ser do passado, um jihad em uma época em que já se enxerga, finalmente, a morte de Deus, apesar da cegueira geral para o óbvio.

Não causa estranheza a povos já acostumados com uma certa eugenia, mesmo que só ideológica, repugnar alguns vizinhos de barba e turbante, afinal, por que ele não se comporta como qualquer um de nós quando tudo que ele tem – o carro, a viagem de avião, o emprego - e o que temos é o que somos, vem do Ocidente? Ele ainda não percebeu que a cultura ocidental, com seu imenso poderio tecnológico-cutural, por fim, conquistou o Oriente? É o que passa nas subdesenvolvidas mentes européias e norte-americanas hoje, que olham para o radical islâmico como um inconveniente personagem histórico.

São essas mentes que criaram a conveniente explicação-padrão que se repete por aí mudando o tom de voz, trocando o arranjo, mas sobre a mesma monótona melodia.

Não se enganem, há uma certa verdade nos clichês, mas viver deles é a epítome da mediocridade, e os medíocres esqueceram-se da lição mais básica na história das civilizações e até da biologia: se não estiver isolado em uma ilha, nada está fora do seu tempo.

As virgens não são causa de explosão nenhuma, nem é a desigualdade sócio-econômica, muito mais forte na Índia onde a violência é desprezível se comparada com o Brasil urbano, que vai explicar alguma coisa. Elas são máscaras, são o desdobramento por onde se extravasa algo mais, a manifestação visível de uma realidade a que o homem-médio insiste em permanecer cego.

Nossa sorte é que mesmo entre os europeus, apesar das corjas habermasianas, ainda há grandes pensadores. Recentemente, um antropólogo inglês infiltrou-se nas células terroristas e mostrou que as pré-concepções de fanatismo religioso arraigado são tão falsas quanto a premissa de que os kamikazes islamitas são fruto da opressão ocidental aos países do Oriente.

Na verdade, as células, na maioria dos casos, nascem da união de amigos de classe média, geralmente a segunda geração de imigrantes árabes em países desenvolvidos, que decidem, como por um capricho, unir-se a Bin Laden e outros mentecaptos para explodir suas vidas no epicentro do mundo em que vivem, trabalham, têm carro, casa, onde criam seus filhos - nas grandes capitais.

O homem-bomba, de uma criança pobre levando tiros na Faixa de Gaza, ardilosamente cooptada por espertos que usam a religião para ganhar poder político, desnudou-se em meia dúzia de jovens de classe média com formação universitária e portador da típica-vida-padrão-do-homem-médio nos países ricos.

Isso tudo e ainda querem fazer acreditar que esse homem, educado nos refinados métodos da ciência acadêmica, explode sua vida para entrar em outra abstrata, transcendente e cheia de virgens.

Pergunte a um homem medieval se ele desperdiçaria sua vida em uma Cruzada e ele lhe daria cem motivos terrenos – perdão de crimes, de dívidas, saques – mas, acima de tudo, uma coisa o levava tão longe: a Ordem Divina, aquilo que, na mente pequena medieval, o criou, deu-lhe o que tem e o mantém estratificado na ordem social.

Pergunte a um Papa do séc XX se os negros têm alma, e ele vai procurar na Evolução das Espécies ou talvez nos arquivos antropológicos nazistas – e Pio XII o sabia muito bem, é o Humani Generis.

Mais uma vez: não se enganem. É claro que o islamita acredita que encontrará suas virgens no paraíso, mas é só essa idéia pseudo-racional em sua mente que o faz superar o instinto de sobrevivência? Somente um idiota responderia que sim.

Então, onde está resposta? É aí que reside a cegueira geral. A massa insiste em olhar para o que incomoda no outro em vez de procurar em si mesma. Vejam que a estranheza que se sente ao deparar-se com a notícia de um homem-bomba, aquele eco no estômago perguntado “mas como? por que?”, que as virgens inutilmente tentam aplacar, é a mesma quando se depara com a notícia dos jovens kamikazes do tráfico urbano, que trocam uns poucos luxos mundanos por uma vida que mal passa da adolescência. A pergunta que sentimos em nossa estranheza é: em troca de que estes homens desistem da vida?

Essa náusea estomacal não se aplaca com as respostas no mínimo simplórias que temos ouvido, por isso ela persiste. Um homem medieval aceitaria que seu amigo atirasse-se em uma cruzada suicida em nome de Deus. Já nós, frutos da decadência dos valores religiosos desde o Renascimento, não conseguimos aceitar que essa explicação justifique tamanho sofrimento para os suicidas e suas vítimas. Será que o próprio suicida aceita?

É o que querem te fazer acreditar. Como se seu estômago deglutisse em plena sociedade de massa, onde aiatolás cedem a um presidente de terno e gravata - concessão à ordem política internacional -, que toda uma massa social congelou-se na idade média, imune a meio milênio de revoluções que terminaram por massificar o aparato tecnocultural ocidental. Resumindo, querem te esconder a massificação do mundo, pois aceitar o óbvio não significa aceitá-lo como correto, e isso é o mais pingente exemplo da decadência.

Se nossos cérebros tentam aceitar essa estranheza, nossos estômagos não digerem tamanho sofrimento em razão de Deus ou de valores mais mundanos como tênis e um pouco mais de conforto. Nossas entranhas, aquilo que há de mais fundo em nós, rejeita tamanho sofrimento por não encontrar nada que o justifique, daí o espanto, a náusea e o fascínio que estas formas grotescas de violência provocam. Mais que isso – sequer aceitamos que os próprios suicidas não o sintam, e não é pela incapacidade de compreender o diferente, mas sim pelo que é evidente: vivemos em massa, unificados no império do fluxo, tão bem pensado por Deleuze.

Ouça suas entranhas, perceba que o verdadeiro “por que?” que lá ressoa é a incompreensão da falta de sentido nas nossas mentes e nas dos suicidas. As virgens, o Reebok, ou seja lá que justificação é dada, e isso vai variar em cada sociedade, é a máscara que esconde a verdadeira face dessa falta de sentido no suicídio violento, da morte, do valor da própria vida e, por conseqüência, da alheia.

A violência suicida angustia porque é niilista, vazia. Todos sabem disso. Alguns tapam os olhos com a venda da explicação fácil, outros com a fúria que encontra sua desculpa racional no radicalismo religioso.

Nem sempre foi assim, e é fácil encontrar comparações com a época medieval exatamente porque o que vivemos é o efeito último do seu fim. A concentração no valor humano, portanto mundano, do Renascimento - não há nome mais adequado – retirou a justificativa do sofrimento ao longo dos séculos, pois, se olharmos o mundo como ele é, sem criar nenhuma intervenção metafísica, vemos que nada deseja sofrer – da barata ao macaco. Nós não somos diferentes.

A ascensão da concentração de poder nos estados, por um tempo, ocupou esse vazio nos sentimentos, e nos sentíamos felizes com as causas nacionalistas, morríamos pela pátria até o século XX. Mas, como a igreja, eles também entraram em declínio, e suas aspirações bélicas já começam a provocar certo incômodo, o que ficou bem claro depois da Segunda Guerra Mundial.

Hoje já não encontramos mais nada que nos motive ao sofrimento – nem nacionalismos, quanto mais a fé, que causa maior estranheza ainda. Ao mesmo tempo, não sabemos onde colocar nossos instintos que buscam pelo poder. Por causa disso a sociedade tornou-se altamente competitiva: não conseguindo dirigir para fora os instintos, eles a consomem em uma batalha interna, por isso são tão familiares a visão de um futuro decadente, noir, como nos filmes Alien, Blade Runner, Matrix.

Nisto, muito além dos contextos sociais, encontram-se o homem-bomba islamita, o traficante urbano brasileiro, quem “não tem nada a perder”, afinal, quem nada perde, sequer tem a esperança de um dia vir a ganhar, o que é o mais fundo vazio de motivos para afirmar a vida com suas inevitáveis felicidades e sofrimentos.

Vejam o que acabei de escrever. A própria concentração nesses opostos epicuristas: felicidade e sofrimento, tão presente na psicanálise do séc XX, mostra como, em nossas naturezas decadentes, os instintos não enxergam mais os feitos, mas só seus efeitos.

Os kamikazes modernos, ao contrário dos originais servos do Império Japonês, o suspiro final do nacionalismo como causa, não são homens essencialmente maus, nem vítimas de meros contextos sociais, são sim seres com alta sensibilidade ao niilismo geral que é fruto inevitável do Renascimento, decadentes incapazes de lidar com seus instintos em uma época decadente, verdadeiros intolerantes ao vazio, pessoas essencialmente fracas. Noutras circunstâncias, não tenho dúvidas, lançariam-se sobre lanças islamitas em nome de Deus. Hoje, mascaram-se por detrás de contextos sociais por serem incapazes de olhar para seus abismos. Em épocas de plenitude, seriam heróis do populacho, na decadência, o lixo monstruoso. O mesmo serve para os que cegamente abraçam a causa oposta - são todos espíritos escravos de seu tempo.

Detrás das máscaras de islamita radical e marginalizado social, estão um só homem, a conseqüência última do Renascimento, o niilista. É nele que a morte de Deus torna-se insuportável e, incapaz de carregar o peso da liberdade, deixa-se crucificar no espetáculo mórbido e fascinante da morte – já que não consegue afirmar a vida ao menos afirma seu oposto e é exatamente aí onde ele encontra seu sentido.

Precisei escrever demais, tudo poderia resumir-se no parágrafo anterior, apesar de ter muito mais a dizer. Além disso, nada do que disse é novidade, basta ler Nietzsche. Estou falando de seu último homem, aquele que precede a retomada do valor da vida com base no mundo humano e não na metafísica religiosa. Somente trouxe aqui o exemplo atual. E ainda assim, tem muita relevância o que digo! Só para perceberem como são medíocres as idéias hoje produzidas.

21/11/2007

Vera Cruz

Nesta terra,
não sei se a ignoro ou amo e odeio.
O Sol cintila como no Taiti,
mas às vezes é Saara.
Meu exílio é aqui,
esgueirando entre palmeiras
enquanto comem sabiá no espeto
sob a sombra preguiçosa de uma bananeira.
O Uirapuru canta sincopado
ao lado de uma lótus e açucena
sozinhas,
harmonizando a coexistência

quando vou deixar a esperança de ser outro,
não sei.
Ce qu´est passé
isn´t different from now,
e depois,
o que fazer?
A resposta devia estar no meu fundo,
então olho um rosto angustiado e jovem
no espelho das perguntas.

Pequenas Coisas

Bem ali,
naquele jazigo vulgar,
cochilando,
a felicidade
ocupa seus mil espaços
e
de relance
me toma o corpo
em breves instantes.

Arte do século XX:

GUGU
DADA. ismo

Soneto do Querer

Te quero por todos os poros,
de todos os jeitos.
Te quero na oração de um devoto
e no destino de um forasteiro.

Te quero assim simples, com suas poucas palavras.
Quero seu olhar mais perdido -
seu sorriso de criança já me basta.

Também te quero de surpresa, sem rima, sem hora.
Te quiero em todas as línguas,
no abraço infinito,
e na espera enquanto você demora.

Te quero no vazio da noite
e em uma terra desconhecida,
fazendo do crepúsculo à alvorada, o meu Sol do meio-dia.

Te quero quando abdico do que quero
por saber te querer sempre mais,
e me redimo nesse querer sobre-humano
sabendo que só o querer me satisfaz.

Garota de Ipanema

Linda,
loira
de olhos reluzentes.
Antes de eu te ter,
mostre-me seus dentes.

20/11/2007

Insônia

A luz está lá fora,

no vermelho que recobre meus olhos

e o céu em tons noturnos,

mas o pôr-do-sol está aqui em mim,

até que tudo seja noite

na memória

e nos desejos.

Não é a cidade que anoitece,

sou eu,

é a luz do meu quarto que se acende na tentativa de fingir o dia.

Então desiste,

e só há uma consciência tateando no escuro.

L´aube

A manhã invade tudo –
frustra os amantes,
embarulha a cidade
e manda recolher a melancolia.

Nem este exoesqueleto pode me proteger da radiação de um novo dia
como bomba aflorando em desruptura milagrosa.

Saber esquecer é um dom conquistado depois de anos remoendo
o que não pode ser mudado.

Por isso, irmão,
é preciso estar ébrio de noite:
se o viver é cego,
a bússola da deriva é poesia.

Infinito

D 1 . , palavra
e dela, idéia.
Das idéias, uma frase
e delas, uma estória.
De muitas, a história,
que, de um homem, é uma parte
e ele dela.
E de todos os homens, toda história e suas infinitas estórias.

E tudo isso é um ponto impreciso nos aglomerados estelares ao redor,
e eles da via Láctea, cheia de gases, pedras
e, sobretudo, repleta do vazio que se expande.

E essa ausência penetra nos espaços inimagináveis entre as galáxias
e além,
até que as dimensões transbordam nossa capacidade.

Mas tudo está aqui,
nessas meias-linhas
sem jeito,
no breve pensamento do infinito,
no ponto da imagem impensável,
em mim.

Tempo 1

Gotas de chuva caem do telhado
em todo o lugar,
aqui e na China
o pingo martela meus ouvidos
não importa aonde viajo
parado nesta cadeira.

O tempo se acomoda em marasmos infinitos,
e às vezes explode
para recair exaurido sem fôlego logo depois.

Sempre senti esse minuto a menos,
o centímetro apertado,
a cor deslocada
e o cheiro de podre
nos perfumes mais caros.

E é essa distonia que me toca,
a desordem das coisas
é que me endireita vida.

M.L.F

É o brejo,
meu amor,
é o brejo.

O desejo são cinzas que crepitam enquanto a noite nos escurece.
Eu sairia do lugar se soubesse aonde ir,
e se a lareira nos esquentasse,
se o dia fosse eterno,
não estaria mergulhado nas dúvidas.

Podem desperdiçar seu último ar gritando,
é fato resolvido –
somos condenados à melancolia crônica,
e o brejo nos invade,
quebrando porteiras,
enlouquecendo as placas.

Da Poesia

A poesia,
mesmo que prosa,
é o remendo entrecortado entre os retalhos da vida.
E não é a linha dura,
é ela que desfia.

Ana C.C

Dos seus olhos
deslizam sensações incomunicáveis,
mas me marcam como ferro quente na pele,
sutil e sofrido,
intransponível,
o seu corpo
fixo no retrato,
a te desnudar toda
pelas brechas.