26/01/2008

Bella

A beleza óbvia cansa os olhos como moda; quero a beleza misteriosa, sob o corpo, nos entreolhares, a delícia esquiva.

3 X VIPS

1. Você se acha muito importante? Então, que motivos deu para o mundo lembrar-se de você em 100, 200 anos?

2. Os macacos usam ferramentas primitivas, nosso cérebro superior permite inventar ferramentas muito mais complexas que um porrete ou um pega-cupins com galhos e ossos. Quem tem um cachorro esperto, sabe que se rimos dele logo veremos repulsa – não somos os únicos a entender a teia complexa do humor. Muitos mamíferos também sonham – mesmo cérebros primitivos criam símbolos para a realidade. O que nos faz homens é a eficiência com que fazemos tudo? Não. Somos os únicos a pintar as paredes das cavernas, e isso nem os neandertais faziam, talvez aí tenham desaparecido no tempo. Pintar foi a forma do homem começar a criar seu próprio mundo – somos o animal que cria! E é por isso que nossas ferramentas vão à lua e nosso humor aos cachorros. Quem é importante senão o homem que é verdadeiramente aquilo que somos, o Criador?

3. O homem importante é o herói – aquele que vence Kronos (o tempo), mas também Mnemosyne (a memória).

Estados Anacrônicos

É razoavelmente simples saber em torno do que gira uma sociedade, uma cultura, a vida dos homens – basta olhar para suas maiores construções. Os egípcios viviam para a hierarquia social na vida e no além, os romanos para a guerra e sua teatralização, os gregos para si mesmos, os medievais para a religião e feudos, os modernos para a nobreza, o estado. Nós vivemos para as riquezas privadas. Quem valorizamos? Aqueles a quem concedemos as maiores riquezas: os negociantes e o fluxo das riquezas, as modelos e seu martírio carnal para adequar o corpo a um molde, os famosos e o prazer de nos identificarmos vendo-os humanamente escorregar nesses moldes.

Vejam o Brasil. Quem ganha bem por aqui? A burocracia estatal. Mas a era dos Estados não ficou com os modernos?

São

Às vezes é necessário correr para os braços da loucura
como último ato de sanidade.

Cinevida

A luz que me banha
e o mar de som,
o mundo em volta de mim
na tela plana
onde
curtamente vivo.
A população mundial lá fora,
a dor real
e o gosto do amor
em anestesia.
Aqui, o tiro,
a trama,
o tempo preguiçoso
e o sangue sobre-humano
me atingem no peito,
e eu sinto a dor fingida,
que é dor ainda.
A menina comum,
no meio da sala,
deixa escapar o significado daquele diálogo complicado,
mas isso não importa,
a história segue sem ela
e todos chegamos ao final.
Aqueles retalhos se subseguem,
fazem um sentido maiorque ninguém tem um que sirva para todos.

23/01/2008

Holocausto - Olhos Seletivos

Os campos de concentração nazistas ressoam muito mais em nossas memórias que os extermínios do presente. Por quê? Os campos eram o exagero da sociedade em que vivemos - escravos que viviam para o trabalho desumanamente mecânico, líderes que não sentiam qualquer empatia por seu sofrimento, uma estrutura cega aos potenciais individuais, a massificação da morte e sua anestesia. Poderiam ser os gulags soviéticos, não fosse o lobby de quem hoje é parte poderosa do convívio ocidental. Os extermínios hoje são de alienígenas aos olhos cosmopolitas, desculpadamente abstendo-nos da empatia e da desacomodação, e também não são nossa estrutura extrema: são difusos, interiores, circunstanciais, caóticos. Não vivemos em caos, somos uma estrutura bem organizada em prol da produção, da anestesia e da morte em vida -de não se sentir vivo-, pois vive quem sente que a morte lhe espreita e esquiva-se dela em cada ato de vida. O caos não é a estrutura, é o que dela resulta – nós. Os extermínios hoje são duplamente estranhos aos nossos olhos – dão-se numa sociedade que não é a nossa e contra quem não vemos como iguais. Até que ponto não somos escravos do trabalho? Até onde nossa passividade aos extermínios em massa de hoje não nos identifica aos nazistas? O holocausto é nosso espelho convexo, onde atingimos nossos extremos, por isso é tão fascinante e horrível.

Intelectuais I

Quem se ouve? Na Idade Média, os clérigos, na modernidade, nobreza e reis. Hoje, aos que são ouvidos lhes falta, ou aparenta faltar, uma qualidade: o intelecto. Já no final do século XX, a classe intelectual obscureceu nos guetos acadêmicos. Chega a ter seu apelo um certo ar rústico, boçal, sem refinamento intelectual – basta olhar para líderes políticos desta época. Ao contrário do que pensam os doutores, não foi só a bestialização de massa que os relegou às margens do poder da voz, mas a própria inadequação do intelecto às questões atuais.

Os mosteiros decaíram para dar lugar às universidades. Hoje, o que decai são as universidades. Qual será o modelo de intelecto para o futuro, doutor?

18/01/2008

Arte II

A arte é a estampa da construção da verdade, são os espelhos onde transformamos as coisas em objeto, mas que, antes de refletir as coisas, reflete nós mesmos. Arte é o local onde construímos o mundo que vemos, que se torna o nosso. Toda arte é metáfora do objeto. O Adão de Michelangelo está em igualdade a Deus, que todo esticado em seta aponta Adão, com esforço tentando tocar o homem. Adão displicentemente oferece a mão em posição para ser beijada. Ali está o renascimento, e o homem de seu tempo sentia isso ao ver o teto da capela. Boa parte da chamada arte moderna não tem meta fora do objeto para delimita-lo, para vê-lo, em vez disso ela foge desesperadamente do objeto tentando construir a metáfora da metáfora da metáfora. Por isso precisamos de explicações cada vez mais complicadas para entendê-la, quando deveríamos sentir o espanto ao ver o espelho de nosso mundo. Não se trata de a obra multiplicar significantes, transcendendo o que conscientemente seu autor pretendia, pois ele ali reflete também seu fundo, mas sim de encontrar uma resposta aleatória na roda da fortuna do discurso.

O que diz um prego em uma parede, fitas plásticas penduradas no teto ou um borrão em uma tela? Diz que não temos realmente nada a dizer. Esta arte gosta de dizer-se na periferia, mas em verdade ela é o centro, e a arte verdadeiramente pós-moderna está onde não se considera que haja uma.

Cavalo de Tróia

Os Deuses de Homero, se existiu um Homero e uma Ilíada final, são o homem. Eles estão ao seu lado, sussurrando nos seus ouvidos, são aquilo que brota de nosso fundo, a batalha de paixões, instintos, medos, idéias por onde emerge a consciência. Os Deuses são as máscaras de nós mesmos, da multiplicidade que somos cada um. Para os estrangeiros, aqueles que se fecham detrás das maiores muralhas da antiguidade em vez de aventurar-se mundo afora, aqueles que acreditam nas entidades reais exteriores ao homem, que crêem em um presente real, tangível, só resta a destruição. Dentro do tangível só pode haver uma coisa: homens, e são eles que trazem a destruição dessa sociedade enclausurada na crença de Deuses factuais. Tróia caiu porque era exatamente aquilo que os gregos não queriam tornar-se, seu inimigo interior que, metaforicamente, tinha que estar tão longe.

A Tróia de Homero ressoa por milênios porque toca no mais angustiante medo e profundo anseio que temos – tornarmo-nos iguais aos Deuses. A Tróia factual, dessa só resta pó e cacos.

Belo-estar

Beleza é hábito. Com o tempo, uma pessoa feia já não nos parece tão feia, e a deslumbrante decai para bonita – acostumamo-nos com a plástica das coisas. Certos padrões universais parecem ser verdadeiros e devem ter uma razão profunda no inconsciente primitivo, o resto é costume. Leve Miró para um asteca, e ele achará odioso, mas traga o asteca para nosso tempo, deixo-o escutar as opiniões dos outros, deixe-o integrar-se à nossa cultura, e algumas manchas coloridas lhe parecerão a quintessência do belo. A grande pergunta é: o que queremos sentir como belo? Ou deveria dizer: que tipo de homem, que sociedade queremos?

13/01/2008

Janelas

Atrás da janela
há um homem vendo por ela
a constelação de janelas,
e atrás delas,
homens são vistos
e vêem
atentos
os cem tempos na cidade,
nos carros,
nas salas e nas cozinhas,
na lentidão da cama,
e o único tempo da solidão.

Quem ama
sempre dá mais do que recebe,
mas amamos,
sobretudo,
mais a nós mesmos
até minguar em desejo
e ausência.

Neste deserto urbano,
um corpo aspira a sensação de ser único,
vagando entre espelhos quebrados.

Parece que é tudo impossível,
como o sopro de segundo
em que acredito,
no fundo da alma,
que existe uma alma,
e que existe um eu
dentro do eu que sei,
e que já acostumei a viver
cedendo nas circunstâncias
até o limite.

Nada absolutamente é,
tudo é vejo,
e o que sei
está detrás de seis metros quadrados da janela do meu quarto
que se abre para o mundo
e me fecha,
em clausura,
nas suas cúbicas paredes.

Uma Guerra, Um Século

O século XX foi uma única Grande Guerra contra o estado renascentista. Na Primeira, caíram os impérios, na Segunda, os regimes estatais e na Terceira a última mão-de-ferro do estado moderno. À parte o poder atômico, a derrocada do estado-forte-socialista foi suave porque não poderia ser a força estatal do aparelho bélico que o venceria, mas só o conceito que o suplanta no andar histórico: o fluxo – e o mais visível deles, o das riquezas. A URSS faliu. Culturas acostumadas à centralização e à burocracia, como a Chinesa e a Russa, causam estranheza dando muita força aos estados, mas é exatamente o fluxo que vai superá-lo cedo ou tarde. É essa a nova história que proponho: detrás de bombas e máquinas, o estado moderno está sendo subjugado pelo fluxo porque ele representa a estagnação do poder, do saber, das riquezas.

Vivemos o começo da era da pulverização: o estado pós-moderno vai reinventar-se, a sociedade vai fragmentar-se em núcleos de poder mais ativos, a política central será a mediação da prevalência local, o mundo serão aldeias conectadas pelo fluxo.

Um sintoma: começamos no tradicional embate de tropas estatais e desmantelamos para a guerrilha e inteligência. Não é à toa que os Estados Unidos, com todo o poder bélico, são tão ineficientes em vencê-las.

O sintoma precoce: a Revolução Francesa. Lá, o poder ainda era concentrado, mas o mérito começou a sobrepujar o berço – Napoleão, um plebeu.

E para onde o estado-Brasil caminha? O que pregam nossa política, nosso Direito, nossas instituições? Somos o caranguejo histórico.

Imagem

Onde está o dia que não vivi?
Na memória,
na esperança,
nos dias secos que me tocam a pele?
O barco que não velejou,
o Sol ausente
no mar que só espelhou o céu infinito
e as estrelas implícitas que esperavam a noite.

Não era só isso,
nem só lirismo.
Era meu filho que de mim nasceu em um novo eu,
um pingo de tensão
como o inseto preso sob o copo
desesperadamente tocando a eterna imagem
do mundo.

Na Maioria das Vezes

Nossa vida é tão umbilicalmente ligada ao dinheiro que precisamos pagar um psicólogo para garantir um tempo de reflexão sobre a vida, e conclusões que, na maioria das vezes, chegaríamos por nós mesmos se refletir fosse um hábito na nossa cultura. Pagamos alguém para nos obrigar ao que nos é estranho e uma das poucas coisas que não nos é estranha são as riquezas (produzir e gastar: o fluxo dos dinheiros). Os gregos não precisavam de personal trainers: o exercício era a cultura do corpo. Hoje, é sua maquiagem. Na maioria das vezes.

02/01/2008

N o i t e a m a r

Vem a noite com toda a sua trégua,
na solidez mórbida do concreto,
no acalanto da brisa fria
e da luz escassa
aquietando os pensamentos
e despertando desejos,
porque amar
é feminino.

Geração

Então é isso ex-companheiro,
acabou o emprego,
você terminou os estudos...
Os sonhos,
a mulher,
o carro e
apartamento
secam sobre o chão quente do seu dia,
e o calor te sufoca na rotina.

Os uniformes te comprimem
e adequam o corpo
ao que antes via bizarro -
você é um alienígena do seu passado,

e ainda não se decidiu entre a rendição
e a luta implícita,
como se houvesse uma escolha,
mas a ilusão te dá forças
para mendigar as horas.

Nem da cadência velha você consegue se livrar,
que dirá de um emprego,
que dirá da vida mesquinha,
eletrônica.

Seus passos errantes,
sua tentativa de verbo
são ilusões sarcásticas
de um espelho irrefletido
de sua própria farsa.

Arte

A arte dos últimos séculos foi o artesanato da desconstrução. As epopéias saíram do mundo, de onde se viajava para dentro do homem, para vagar no próprio homem de onde ele vê o mundo. Ulisses virou Josef K, Édipo, Ródion e Quixote, Casmurro. Sem as bússolas, somente a insignificância de uma barata poderia penetrar nos subterrâneos do homem, e vivemos encolhidos, à espreita do mundo, dominados pelo pavor do movimento que nos faz correr para qualquer abrigo escuro e úmido.

O capítulo último dessa entronização é o desmantelamento da técnica, daquilo que construímos com base no mundo e para sua viagem por ele. Por isso não foi difícil de Renoir chegarmos a Pollock, de Kafka ao dadaísmo, não é à toa que a bagunça pictórica de Picasso e Miró caem como uma luva nos gostos populares. Todas as explicações metafísicas sobre essas artes podem descer pelo penico de Duchamp: sem Deus ou o Homem e seu mundo para guiar a arte, as tautologias pseudo-intelectuais se perdem no vazio que nos tornamos, rastejando pelas percepções sagazes de Kafka.

Arte é, sobretudo, sentir, experimentar. Se precisamos de explicações, se nos deleitamos com elas, a arte se perdeu em algum lugar entre as ciências e a teologia.

O que proponho para a arte? Não menos do que proponho para a humanidade – a técnica invisível. Já deu tempo suficiente para perceber que ausência de técnica é escravidão aos limites e não liberdade. Técnica é meio, e não fim, para a viagem pelo mundo que construímos - o mundo de arte - de onde brota o mundo de nossos pés. Pelas periferias, ilustradores já reintroduzem a técnica daquilo que, no futuro, os “intelectuais” tardiamente chamarão de arte.

Na Noite do Meu Corpo

De noite posso cheirar a terra úmida
impregnada no ar,
a grama cortada
e o rio que vai se anunciando entre pedras,
a agonia aguda dos insetos de vida curta,
o amanhã que virá,
haja o que houver;
de noite,
embebido nas ilusões do sono,
minha casa está em mim
e todo o resto é intangível.

De noite, quase esqueço do tedioso homorrítimo do relógio digital
programado para me acordar ao seu fim,
e embalo na noite do meu corpo.

Retorno ao Novo: A Simplificação Causal

Dizem que tudo carrega a semente de sua destruição. A concentração de poder no renascimento, desfragmentando a Europa, foi possível por conta do fluxo das riquezas, que necessitava de um comando geral e propiciava a acumulação em poucas mãos. O fluxo das riquezas estimulou a idéia do fluxo das pessoas, dos saberes e dos poderes. O estado concentra pessoas em um território e monopoliza saberes e poder. Agora, o fluxo começa a destruir o estado. Renasce uma nova fragmentação, mas dessa vez banhada pelos fluxos.

Sem igrejas e com estados decadentes, perdemos os valores que guiavam a vida, por isso nos apegamos ao que nos tornou o que somos, ao mais tangível, à base do que conhecemos: o fluxo das riquezas.

Com sorte, no futuro, nos concentraremos noutros fluxos.

Tragédia

Eu aqui,
deitado com as pernas pro alto,
sei da fome do mundo,
das mortes,
do desejo de que a vida seja mais que comida e sono,
da angústia sob a mira das armas,
mas não me dou conta de nada disso –
tudo passa etéreo como a impressão do sonho que se esqueceu.

O que sou são minhas pernas
no alto da almofada
sobre a cama,
onde recosto a cabeça
na paz do meu presente desculpado.

O mundo é uma parte de mim
onde vagam os pensamentos sobre aquilo que nunca vivi,
mas ouço existir.

Que culpa tenho se a vida insiste em transbordar minha almofada?
Essa é a verdadeira tragédia.

Miséria e Compaixão

Quando se vê um miserável em sofrimento, e sofre-se junto com ele a dor da miséria, o que sentimos? Nada de bom, deprimimo-nos. Essa é a compaixão. Querê-lo longe da pobreza, em bonança e excesso, é o que faz quem quer homens fortes como amigos, vizinhos e até inimigos, e o faz menos por altruísmo que por individualismo. Ter vizinhos pobres é sinônimo de problema, de um espírito covarde incapaz de lutar com inimigos a altura, de alguém que não produz nada que possa engrandecer a vida de quem não seja miserável. Os europeus, depois de duas guerras, bem sabem disso e trataram de tirar Portugal da mendicância. Em países favelizados como o Brasil, ainda não aprendemos essa lição.

Mas a compaixão não tem nada a ver com essa força que eleva o espírito do homem e do seu coletivo, ela é antes o eufemismo de rir da desgraça alheia travestido de sofisticada superioridade de sentimentos. É isso que vemos em filmes “alternativos” sobre a pobreza, caridades sociais - alguém acha que meia dúzia de alimentos vai mudar a realidade da miséria?

O grande homem cria meios para conviver com pares, o compaixonado, mesmo sem o saber, cria os meios de perpetuar a miséria, e o faz para sentir-se bem, expurgando a culpa da riqueza material na percepção de que seus sofrimentos privados são mínimos frente aos da miséria. O grande homem sabe que não há culpa a sentir-se nem compaixão com o sofrimento alheio, o que há são meios concretos para eliminar a miséria do convívio em sociedade.

O compaixonado dá o peixe, escravizando o esfomeado, o homem superior ensina a pescar.

Sempre se acreditou que onde há miséria, brota a compaixão e a solidariedade no homem. Eu inverto essa oração!

Bem dizia Nietzsche: a pior coisa são os mendigos. E como é difícil não sentir compaixão por eles. Talvez por isso ainda tenhamos tantos.

Macchina Humana

Beijos coreografados,
abraços ensaiados,
saliva -
estertora compulsiva.
Mais uma paixão instantânea:
desenfreada busca orgástica
de um
a m o r - m á q u i n a .

Em Si

Há céu para tanta erupção?
Às vezes chove negro em todo o país,
noutras assisto qualquer porcaria na televisão.
E essas coisas pequenas me preocupam,
mas elas nunca me vêem de fora,
são as gírias que empurram para as massas.

Gosto de ver as palavras
e a plástica da melodia,
enquanto a miséria explode em nossos olhos,
e o sorriso implícito por não ter tocado a carne,
ainda...

A cegueira é voluntária,
talvez necessária,
por isso o mundo passa nas eternas tentativas de um dia,
e o retorno desta mesma distonia.
Prefiro escutar aquela música repetitiva
do refrão de chuveiro
e,
de vez em quando,
o ruído de fundo do universo.

O esforço é inútil –
o que simplesmente existe desafia explicações.
Então, para que cadência?
Seja tudo simplesmente –
contemplação de infinito.

Vamos correr desvairando o ar fresco
tisnado de nada.
Olhe o pássaro,
a luz,
espere a lua misteriosamente
pairar sobre sua cabeça
e encha os pulmões
do insensato otimismo das crianças.

Mas passados alguns minutos,
me fragmento em milhões de perguntas,
e a vida pouco se sustenta
nas raras fibras do impulso.

Procuro toda sabedoria em uma sentença,
mas as orações são toadas de velhos bordões sem fé
nem esperteza,
então, vivo em nostalgia
de não sei quando,
nem onde,
e sei que era feliz,
talvez mais que só espontâneo.

E ainda assim,
apesar da impossibilidade de fazer outra coisa,
continuo –
haja eu
para tão pouco de mim.

Humildade e Arrogância

Somente sociedades que sobre-valorizam as riquezas ou estratificadas podem estupidamente pensar na humildade como a resistência ao contato com pessoas de classes diferentes. Humildade é dizer que se pode menos quando se sabe poder mais. O humilde ou é um estrategista das relações sociais ou sucumbiu à crença de que fraqueza é virtude. O arrogante diz que pode mais quando sabe poder menos, e se não for estrategista, é um idiota temeroso das próprias fragilidades. O verbo substantivado “poder” tornou-se pejorativo por conta dos humildes, e os arrogantes sempre travam o fluxo negando o poder em razão de caracteres sociais, que aderem à pele quase como a cor, o que os nivela aos racistas.

Saber sinceramente o que se pode, conhecer seus limites e suas fraquezas com coragem para enfrentá-las, é tarefa do homem superior. A humildade é para os fracos, a arrogância para racistas idiotas.

Imagem

Onde está o dia que não vivi?
Na memória,
na esperança,
nos dias secos que me tocam a pele?
O barco que não velejou,
o Sol ausente
no mar que só espelhou o céu infinito
e as estrelas implícitas que esperavam a noite.

Não era só isso,
nem só lirismo.
Era meu filho que de mim nasceu em um novo eu,
um pingo de tensão
como o inseto preso sob o copo
desesperadamente tocando a eterna imagem
do mundo.