18/03/2008

Amor à Humanidade

O amor pelo humano é um dos mais altos sentimentos que podemos ter. Quem ama procura as causas não por curiosidade, mas por estratégia, para construir um futuro ao lado do amado. Nas causas, dão um sentido ao amor, um fim (enxergamos sob o véu do efeito e da causa temporal), e é nele que está o amanhã. Quando namorados perguntam do que o outro gosta, estão, na verdade, despontando suas auroras. Dar amor é dar sentido, e sentidos dão-se para si, por si, de si e em si, ao lado do outro.

Na compaixão, queremos consoar sentimentos numa só melodia. Buscamos a referência para os nossos no sentir do outro, e é ele que dá o sentido, a causa, enquanto o compaixonado tenta encaixar um fim a essa obra alheia e inacabada. A compaixão não cria, repete, não inventa, adapta.
Se vocês insistirem em procurar opostos nesta visão dual de mundo, nesta linha temporal contínua, que achem o inverso do amor na compaixão, não no ódio, que é seu irmão.

Ódio à Humanidade

O ódio repele, espeta a presença do outro, mas isso é só uma farsa. Afastar-se, quando conscientes disso, é preservar, é procurar um sentido para manter o outro em nossos pensamentos. Inconscientes, deixamos o vento do tempo levá-lo. Ódio é consciência da imposição de si sobre o alheio, afirmação do eu, contraste radical ao outro. Ele pode intoxicar, mas é o homem que faz das drogas, remédios.

Odiar o humano com sabedoria pode ser o remédio de nosso amor – só o espírito jovem, imaturo abraça as causas pela explosão em lugar do sentido. Saber odiar, combater, destruir é também processo de construção, e é no amor que plantamos o futuro, no sentido do afeto pelo outro que erguemos auroras.

O ódio é o irmão furioso do amor, mas cuidado, ele embriaga muito fácil longe do seu fraterno pacificador.

Abraão

Aquele que abandona sua convicção emocional para escolher outro caminho com sua razão é um mentiroso de si mesmo. Suas emoções mandam ele apegar-se à fé da sua razão tão fortemente que ele cria uma convicção emocional, ou aproveita uma já latente, para sacrificar como prova de sua fé, como um Abraão da razão.

Felicidade

Às vezes evitamos a felicidade, como se ela quisesse sair, mas nossa razão a segura bem presa dentro do espírito com medo de que, caso as coisas dêem errado, nos decepcionemos, como se ser menos feliz diminuísse a tristeza – a isso muitos chamam prudência. Os estóicos eram medrosos, e o medo é uma das maiores causas de infelicidade.

Ontologia

A ontologia é uma ilusão criada porque quando pensamos ninguém nos observa – estendemos essa solidão às coisas sem perceber que pensá-las já é jogar-lhes um mundo sobre as costas.

Ciências Humanas

Que as humanidades queiram ser chamadas de ciências porque ela virou sinônimo de verdade, e verdade é poder, não é novidade para ninguém. Agora, o que isso esconde, a inexorável prisão à fé e às emoções, sob o vestido de seda do dogma, também é evidente, mas todos preferem não ver com medo de cair no vazio da falta de razão.

Traduções

Não existem traduções, só aproximações. Cada pessoa fala uma língua própria, cada palavra é um universo tão diferente quão diversos são os falantes. Se os universos são próximos, elas falam o que se chama de mesma língua. Distanciando-se vêm os sotaques até chegar ao estrangeiro: total incompreensão. Traduzir é recriar. O bom tradutor é, essencialmente, um excelente autor.

Radicais

Vegetarianos, capitalistas, fascistas, ecologistas, esquerdistas são religiões na sua forma mais radical. Na ciência - o discurso da verdade nos dias de hoje – eles procuram esconder sua fé dos outros e, principalmente, deles mesmos, já que estão descrentes dela. Os dogmáticos, aqueles que não aceitam a mudança, o fluxo de novas idéias, são anti-científicos, e pode incluir aí boa parte dos cientistas. Lutar por um ponto de vista é nobre, deixar-se cegar por ele é idiotice.
Radical é quem fica preso à raiz e não se deixa alcançar a copa.

Microscópios e Lunetas

Quem vê um homem, não enxerga as moléculas que ele é, e quem as vê, não percebe que da sua interação brota o ser. Tudo é uma questão de afastar-se ou aproximar-se – pode-se encontrar incontáveis igualdades ou radicais diferenças. O problema está em usar a mesma lente para todos os pontos de vista – o que se tentou fazer por muito tempo e finalmente está sendo abandonado. O dualismo, as igualdades, padrões e a lógica são filhos do afastamento e as singularidades e idiossincrasias, dos microscópios.

O Erro de Platão

Tudo surge primeiro na mente para depois aparecer no mundo que vemos. Um índio nativo riria do mercado financeiro como nós rimos quando eles queriam trocar um canhão por um papagaio. Talvez, percebendo isso, Platão tenha achado que a verdade vem do pensar, e o que vemos são sombras dele, mas ele escorregou na poça da criação – esqueceu que somos nós que fazemos nossos óculos, e não tem um que sirva para todos.

Máscaras

Não é difícil traçar dois homens no homem: o caçador e o agricultor. O neolítico passou pela fase da caça, mas, num certo momento, o impulso sedentário prevaleceu e criamos meios para a imobilidade, assim, construímos nossa oikos, nossa casa. Não conseguimos exterminar o caçador e, às vezes, ele emerge em guerras, no desejo pela morte, sofrimento, ou na luta contra as leis naturais. Ficamos fascinados quando vemos uma máscara isolada, como o Buda-agricultor ou o herói-caçador, porque eles são exatamente aquilo que não somos – a unidade. A história da humanidade é o balanço destas duas faces, pendendo mais para uma ou outra conforme o momento. As melhores eras são quando damos às duas espaço para viverem seu máximo. Hoje, falta-nos o caçador, mas seu impulso é irrefreável e acaba implodindo.

Impressões

No Brasil, as coisas funcionam quando não funcionam.

Vontades

Formigas tentam dominar seus metros quadrados de terra. Macacos já dominam seu território, por isso tentam controlar sua comunidade com guerras, assassinatos e artimanhas. Nós expandimos nosso chão, politizamos nossos domínios, somos parte desta natureza, porém profundamente mais complexa – isso é verdade, mas não é toda ela. A expansão para dentro e para fora só é mais complexa porque há algo além em nós – a busca pela submissão é mais vontade de expansão que prisão a nossa vontade. Expandir já deve ter sido uma vantagem evolucionária, hoje é nosso destino auto-proclamado que, em milhões de anos, quando a Terra for engolida pelo tempo cósmico, será novamente vantagem evolucionária, mas desta vez por vontade nossa.

Etiquetas

Tudo está pop. Michelangelo, Renoir, Warhol e Dali precisam de marketing para vender, para continuar a existir. As pessoas também são etiquetáveis: quem assiste a um filme cult ou pipoca compra e veste a embalagem da obra, não seu conteúdo – poucos são os filmes que valem a pena nos dois lados. Mas quem enxerga com dois olhos? Capas são os muros das verdades e as vestimos com prazer. Como as coisas, cremos que precisamos delas para existir – ilusão, fizemos delas as próprias coisas.

Dialogando com Friedrich

Para a pessoa única, singular, as pessoas comuns são seu fim, mas também seu meio. Pois, com o tempo, o inovador faz-se comum, e abre as portas para o novo de novo. Mas você, um século depois, ainda não chegou ao hoje.

Cárcere de Spinoza

I

Que pena, Spinoza estava preso ao séc. XVII! A expansão do corpo, da vida não está num Deus único, em uma natureza, ela é o panteão da diversidade, das máscaras por onde vemos e somos vistos do outro lado do espelho. Ele espiou esta verdade, mas a vontade de fazer a música da vida vibrar em harmonia encarcerou aquela bela alma no seu tempo.

II
Para os filósofos de hoje, a metafísica é uma gíria para afastar quem não é da tribo. Se vêem nela um caminho para construir verdades, eu desvelo esse estrangeirismo com o dicionário das crenças - seus livros parecem mais tabulas de orações. São eles que crucificam a transcendência, quando não percebem, e encobrem, que tentam alcançá-la por essa língua. Nesse ponto, Spinoza foi um precoce, por isso ele está tão na moda. Não há problema nenhum em transcender, isso é nosso desejo de superar o agora, só não podemos cair no abismo da fé nem na mentira do cético - de resto, vale a tentativa - foi aí que Demócrito venceu, mas, conforme as coisas caminhem, um dia ele perderá.

Raças

A mentira do sangue é cria moderna. Não precisamos de genética para saber que espanhóis são godos do oriente próximo misturados a celtas hibéricos. Ingleses são gauleses cruzados a vikings-normandos. A idéia de raça é o discurso da diferenciação do outro, da territorialização, da igualdade dentro do grupo: hegemonia sobre pessoas e terras, ou seja, a voz do Estado. Não é à toa que o fascismo reergueu essa farsa. Junto com os Estados modernos, as raças estão condenadas a minguar no mesticismo do fluxo, e isso não é só idéia dos geneticistas.

01/03/2008

Etiqueta e Superstição

Etiqueta é o requinte da superstição. A crendice é o desejo de controlar o inalcançável, vontade de manipulação da causa e efeito – quando a criança descobre a relação do tempo e, adulta, incorpora a brincadeira ao hábito sob o véu religioso. Etiqueta é a tentativa de controle das relações sociais, linguagem subentendida da diferenciação e igualdade: estratificação. Quando a criança apreende sua classe, logo adota sua língua. Superstição quer controlar o tempo, etiqueta, o lugar. Boas maneiras (o mínimo convívio), todos sabem o que são tanto com homens como com deuses. O homem superior flui pelas duas, sem acreditar nelas, ao bel prazer das suas vontades - ele sabe que elas são tão verdadeiras quanto suas fés, só desvelam o desejo pelo poder.

Sobre-viver ou por que nos tornamos tão conformados? Ou a antiepopéia...

Viver é experimentar, sentir. A vida moderna é virtual, como virtuais são suas máquinas, suas riquezas. Destronar o tempo é o impulso que nos faz recriá-la, nos sentirmos vivos. É vivendo que morremos em cada ato de vida - ao sabê-lo único, ao querê-lo novamente sabendo impossível, ver um destino sempre além, ao viver as horas.

Hoje, tiramos a morte da vida. Arrancamos cirurgicamente a experiência do tempo e seu fim. O sobre-trabalho, a superespecialização, o sobre-consumo, o supermodelo do corpo – a economia dos excessos são nossa anestesia para não sentir o tilintar do tempo. Sobre-vivemos.

Excessos em economia, reservas inúteis, as poupanças são a gordura da alma. Por isso a nossa pesa, é lenta, preguiçosa. Poucas são as almas enxutas.

Deuses são imortais. Pergunte a um economista como ele calcula investimentos - jogando risco e retorno no infinito. Ele finge que a história não segue caminhos tortuosos? Não. Ele colocou seu Deus na poupança virtual das finanças – as religiões são anti-históricas.

É na imortalidade, transbordando tempo, que ficamos antinaturais, rígidos. Por isso sempre se levou tão a sério a religião: Sócrates, Jesus ou a Economia.

Nos acúmulos inúteis, diga-se, naqueles que não sentimos, não experimentamos (só poupamos), é que a vida congela-se na imortalidade. Nossos deuses são o que poupamos - poupar é evitar. Por isso as religiões são tão comedidas, elas evitam a vida. Recriamos a farsa do pós-mundo fingindo para nós mesmos que vivemos em excesso, quando, na verdade, nossa imortalidade está no acumular.

Só viver não é mais o nosso fardo, aquilo que se deve poupar, carregar (a cruz, o corpo, as ilusões). Agora, ele se faz por todo o resto. Carregamos o peso da vida eletrônica, coisificada, nossas posses, nossas aventuras higienizadas – somos a antiepopéia que, aliás, não se vê mais por aí. Daí o fascínio, o horror e a estranheza às atrocidades que provocamos.
Perdemos a vida no suicídio da imortalidade, mas não cremos mais em céus, e começamos a perder a fé nas coisas.

Impostos

Bandeiras e fidalgos impuseram a ordem do Estado lusitano aos nativos. Três séculos depois, a corte portuguesa aos brasileiros, nós, que nunca lutamos por um. O Estado aqui é imposto como o voto, como o horário eleitoral. Democracia imposta não é uma contradição?

O.N.U

A O.N.U é o espelho da Liga das Nações: rígida, legal, estratificada. O que mais parece com as duas? Desde a Revolução Francesa, a curva de poder do Estado declina – a força fragmenta-se em núcleos menores e esparsos. Cada vez mais, o central cederá ao local, as nações frágeis se dividirão, basta olhar o Mapa Mundi. Somente a negociação, o equilíbrio delicado de forças em cada momento, a política do agora manterá os laços entre os povos – o mesmo fluxo que destrói a centralização estatal é o que permite este balanço de poder. No futuro, uma nova organização, mesmo que homonímia, absorverá o ideal da fluidez do poder, de riquezas e do saber. Olhará a realidade, não estatutos legais, será contraditória ao sabor do momento, cega e forte quando preciso. Ela sobreviverá aos séculos futuros. Pena não estarmos preparados para ela ainda.
Não é à toa que o Brasil faz tanta questão de entrar no Conselho de Segurança.

Arte Superior

Toda arte tem identificação. Quem vê, sente, experimenta nela um mundo particular. Mas a arte é plural, como plurais são os mundos.

No teatro e na literatura, a identificação é com o texto, a história, e não a cena. No cinema, conseguimos imergir na realidade daquele mundo como na música e na plástica. Não há arte superior, só sensações diferentes.