Por que homens tornam-se bomba? Por que um favelado entra para o tráfico? Essas perguntas, as mais relevantes de nosso tempo, têm tido as respostas mais rasas, os clichês mais baratos tem servido para consolar a curiosidade humana: 60 virgens e um Reebok, ou seja, em linguagem intelectualizada, para satisfazer aqueles que se chamam de intelectuais, a radicalização religiosa e a desigualdade social, em resumo.
Será que é concebível no século XXI, quando quem troca a certeza de uma cura religiosa por um tratamento científico ser considerado não menos que um louco, que alguém exploda-se para ir ao paraíso? Seriam eles anacrônicos homens-medievais, contra-cruzados conquistando o Ocidente 6 séculos depois?
Nada está fora de seu tempo e, hoje, sob quase nada deixa de pairar a massificação das idéias, por isso esse olhar de estranheza do homem-médio ocidental para o islamita radical. Ele o vê como um ser do passado, um jihad em uma época em que já se enxerga, finalmente, a morte de Deus, apesar da cegueira geral para o óbvio.
Não causa estranheza a povos já acostumados com uma certa eugenia, mesmo que só ideológica, repugnar alguns vizinhos de barba e turbante, afinal, por que ele não se comporta como qualquer um de nós quando tudo que ele tem – o carro, a viagem de avião, o emprego - e o que temos é o que somos, vem do Ocidente? Ele ainda não percebeu que a cultura ocidental, com seu imenso poderio tecnológico-cutural, por fim, conquistou o Oriente? É o que passa nas subdesenvolvidas mentes européias e norte-americanas hoje, que olham para o radical islâmico como um inconveniente personagem histórico.
São essas mentes que criaram a conveniente explicação-padrão que se repete por aí mudando o tom de voz, trocando o arranjo, mas sobre a mesma monótona melodia.
Não se enganem, há uma certa verdade nos clichês, mas viver deles é a epítome da mediocridade, e os medíocres esqueceram-se da lição mais básica na história das civilizações e até da biologia: se não estiver isolado em uma ilha, nada está fora do seu tempo.
As virgens não são causa de explosão nenhuma, nem é a desigualdade sócio-econômica, muito mais forte na Índia onde a violência é desprezível se comparada com o Brasil urbano, que vai explicar alguma coisa. Elas são máscaras, são o desdobramento por onde se extravasa algo mais, a manifestação visível de uma realidade a que o homem-médio insiste em permanecer cego.
Nossa sorte é que mesmo entre os europeus, apesar das corjas habermasianas, ainda há grandes pensadores. Recentemente, um antropólogo inglês infiltrou-se nas células terroristas e mostrou que as pré-concepções de fanatismo religioso arraigado são tão falsas quanto a premissa de que os kamikazes islamitas são fruto da opressão ocidental aos países do Oriente.
Na verdade, as células, na maioria dos casos, nascem da união de amigos de classe média, geralmente a segunda geração de imigrantes árabes em países desenvolvidos, que decidem, como por um capricho, unir-se a Bin Laden e outros mentecaptos para explodir suas vidas no epicentro do mundo em que vivem, trabalham, têm carro, casa, onde criam seus filhos - nas grandes capitais.
O homem-bomba, de uma criança pobre levando tiros na Faixa de Gaza, ardilosamente cooptada por espertos que usam a religião para ganhar poder político, desnudou-se em meia dúzia de jovens de classe média com formação universitária e portador da típica-vida-padrão-do-homem-médio nos países ricos.
Isso tudo e ainda querem fazer acreditar que esse homem, educado nos refinados métodos da ciência acadêmica, explode sua vida para entrar em outra abstrata, transcendente e cheia de virgens.
Pergunte a um homem medieval se ele desperdiçaria sua vida em uma Cruzada e ele lhe daria cem motivos terrenos – perdão de crimes, de dívidas, saques – mas, acima de tudo, uma coisa o levava tão longe: a Ordem Divina, aquilo que, na mente pequena medieval, o criou, deu-lhe o que tem e o mantém estratificado na ordem social.
Pergunte a um Papa do séc XX se os negros têm alma, e ele vai procurar na Evolução das Espécies ou talvez nos arquivos antropológicos nazistas – e Pio XII o sabia muito bem, é o Humani Generis.
Mais uma vez: não se enganem. É claro que o islamita acredita que encontrará suas virgens no paraíso, mas é só essa idéia pseudo-racional em sua mente que o faz superar o instinto de sobrevivência? Somente um idiota responderia que sim.
Então, onde está resposta? É aí que reside a cegueira geral. A massa insiste em olhar para o que incomoda no outro em vez de procurar em si mesma. Vejam que a estranheza que se sente ao deparar-se com a notícia de um homem-bomba, aquele eco no estômago perguntado “mas como? por que?”, que as virgens inutilmente tentam aplacar, é a mesma quando se depara com a notícia dos jovens kamikazes do tráfico urbano, que trocam uns poucos luxos mundanos por uma vida que mal passa da adolescência. A pergunta que sentimos em nossa estranheza é: em troca de que estes homens desistem da vida?
Essa náusea estomacal não se aplaca com as respostas no mínimo simplórias que temos ouvido, por isso ela persiste. Um homem medieval aceitaria que seu amigo atirasse-se em uma cruzada suicida em nome de Deus. Já nós, frutos da decadência dos valores religiosos desde o Renascimento, não conseguimos aceitar que essa explicação justifique tamanho sofrimento para os suicidas e suas vítimas. Será que o próprio suicida aceita?
É o que querem te fazer acreditar. Como se seu estômago deglutisse em plena sociedade de massa, onde aiatolás cedem a um presidente de terno e gravata - concessão à ordem política internacional -, que toda uma massa social congelou-se na idade média, imune a meio milênio de revoluções que terminaram por massificar o aparato tecnocultural ocidental. Resumindo, querem te esconder a massificação do mundo, pois aceitar o óbvio não significa aceitá-lo como correto, e isso é o mais pingente exemplo da decadência.
Se nossos cérebros tentam aceitar essa estranheza, nossos estômagos não digerem tamanho sofrimento em razão de Deus ou de valores mais mundanos como tênis e um pouco mais de conforto. Nossas entranhas, aquilo que há de mais fundo em nós, rejeita tamanho sofrimento por não encontrar nada que o justifique, daí o espanto, a náusea e o fascínio que estas formas grotescas de violência provocam. Mais que isso – sequer aceitamos que os próprios suicidas não o sintam, e não é pela incapacidade de compreender o diferente, mas sim pelo que é evidente: vivemos em massa, unificados no império do fluxo, tão bem pensado por Deleuze.
Ouça suas entranhas, perceba que o verdadeiro “por que?” que lá ressoa é a incompreensão da falta de sentido nas nossas mentes e nas dos suicidas. As virgens, o Reebok, ou seja lá que justificação é dada, e isso vai variar em cada sociedade, é a máscara que esconde a verdadeira face dessa falta de sentido no suicídio violento, da morte, do valor da própria vida e, por conseqüência, da alheia.
A violência suicida angustia porque é niilista, vazia. Todos sabem disso. Alguns tapam os olhos com a venda da explicação fácil, outros com a fúria que encontra sua desculpa racional no radicalismo religioso.
Nem sempre foi assim, e é fácil encontrar comparações com a época medieval exatamente porque o que vivemos é o efeito último do seu fim. A concentração no valor humano, portanto mundano, do Renascimento - não há nome mais adequado – retirou a justificativa do sofrimento ao longo dos séculos, pois, se olharmos o mundo como ele é, sem criar nenhuma intervenção metafísica, vemos que nada deseja sofrer – da barata ao macaco. Nós não somos diferentes.
A ascensão da concentração de poder nos estados, por um tempo, ocupou esse vazio nos sentimentos, e nos sentíamos felizes com as causas nacionalistas, morríamos pela pátria até o século XX. Mas, como a igreja, eles também entraram em declínio, e suas aspirações bélicas já começam a provocar certo incômodo, o que ficou bem claro depois da Segunda Guerra Mundial.
Hoje já não encontramos mais nada que nos motive ao sofrimento – nem nacionalismos, quanto mais a fé, que causa maior estranheza ainda. Ao mesmo tempo, não sabemos onde colocar nossos instintos que buscam pelo poder. Por causa disso a sociedade tornou-se altamente competitiva: não conseguindo dirigir para fora os instintos, eles a consomem em uma batalha interna, por isso são tão familiares a visão de um futuro decadente, noir, como nos filmes Alien, Blade Runner, Matrix.
Nisto, muito além dos contextos sociais, encontram-se o homem-bomba islamita, o traficante urbano brasileiro, quem “não tem nada a perder”, afinal, quem nada perde, sequer tem a esperança de um dia vir a ganhar, o que é o mais fundo vazio de motivos para afirmar a vida com suas inevitáveis felicidades e sofrimentos.
Vejam o que acabei de escrever. A própria concentração nesses opostos epicuristas: felicidade e sofrimento, tão presente na psicanálise do séc XX, mostra como, em nossas naturezas decadentes, os instintos não enxergam mais os feitos, mas só seus efeitos.
Os kamikazes modernos, ao contrário dos originais servos do Império Japonês, o suspiro final do nacionalismo como causa, não são homens essencialmente maus, nem vítimas de meros contextos sociais, são sim seres com alta sensibilidade ao niilismo geral que é fruto inevitável do Renascimento, decadentes incapazes de lidar com seus instintos em uma época decadente, verdadeiros intolerantes ao vazio, pessoas essencialmente fracas. Noutras circunstâncias, não tenho dúvidas, lançariam-se sobre lanças islamitas em nome de Deus. Hoje, mascaram-se por detrás de contextos sociais por serem incapazes de olhar para seus abismos. Em épocas de plenitude, seriam heróis do populacho, na decadência, o lixo monstruoso. O mesmo serve para os que cegamente abraçam a causa oposta - são todos espíritos escravos de seu tempo.
Detrás das máscaras de islamita radical e marginalizado social, estão um só homem, a conseqüência última do Renascimento, o niilista. É nele que a morte de Deus torna-se insuportável e, incapaz de carregar o peso da liberdade, deixa-se crucificar no espetáculo mórbido e fascinante da morte – já que não consegue afirmar a vida ao menos afirma seu oposto e é exatamente aí onde ele encontra seu sentido.
Precisei escrever demais, tudo poderia resumir-se no parágrafo anterior, apesar de ter muito mais a dizer. Além disso, nada do que disse é novidade, basta ler Nietzsche. Estou falando de seu último homem, aquele que precede a retomada do valor da vida com base no mundo humano e não na metafísica religiosa. Somente trouxe aqui o exemplo atual. E ainda assim, tem muita relevância o que digo! Só para perceberem como são medíocres as idéias hoje produzidas.
Será que é concebível no século XXI, quando quem troca a certeza de uma cura religiosa por um tratamento científico ser considerado não menos que um louco, que alguém exploda-se para ir ao paraíso? Seriam eles anacrônicos homens-medievais, contra-cruzados conquistando o Ocidente 6 séculos depois?
Nada está fora de seu tempo e, hoje, sob quase nada deixa de pairar a massificação das idéias, por isso esse olhar de estranheza do homem-médio ocidental para o islamita radical. Ele o vê como um ser do passado, um jihad em uma época em que já se enxerga, finalmente, a morte de Deus, apesar da cegueira geral para o óbvio.
Não causa estranheza a povos já acostumados com uma certa eugenia, mesmo que só ideológica, repugnar alguns vizinhos de barba e turbante, afinal, por que ele não se comporta como qualquer um de nós quando tudo que ele tem – o carro, a viagem de avião, o emprego - e o que temos é o que somos, vem do Ocidente? Ele ainda não percebeu que a cultura ocidental, com seu imenso poderio tecnológico-cutural, por fim, conquistou o Oriente? É o que passa nas subdesenvolvidas mentes européias e norte-americanas hoje, que olham para o radical islâmico como um inconveniente personagem histórico.
São essas mentes que criaram a conveniente explicação-padrão que se repete por aí mudando o tom de voz, trocando o arranjo, mas sobre a mesma monótona melodia.
Não se enganem, há uma certa verdade nos clichês, mas viver deles é a epítome da mediocridade, e os medíocres esqueceram-se da lição mais básica na história das civilizações e até da biologia: se não estiver isolado em uma ilha, nada está fora do seu tempo.
As virgens não são causa de explosão nenhuma, nem é a desigualdade sócio-econômica, muito mais forte na Índia onde a violência é desprezível se comparada com o Brasil urbano, que vai explicar alguma coisa. Elas são máscaras, são o desdobramento por onde se extravasa algo mais, a manifestação visível de uma realidade a que o homem-médio insiste em permanecer cego.
Nossa sorte é que mesmo entre os europeus, apesar das corjas habermasianas, ainda há grandes pensadores. Recentemente, um antropólogo inglês infiltrou-se nas células terroristas e mostrou que as pré-concepções de fanatismo religioso arraigado são tão falsas quanto a premissa de que os kamikazes islamitas são fruto da opressão ocidental aos países do Oriente.
Na verdade, as células, na maioria dos casos, nascem da união de amigos de classe média, geralmente a segunda geração de imigrantes árabes em países desenvolvidos, que decidem, como por um capricho, unir-se a Bin Laden e outros mentecaptos para explodir suas vidas no epicentro do mundo em que vivem, trabalham, têm carro, casa, onde criam seus filhos - nas grandes capitais.
O homem-bomba, de uma criança pobre levando tiros na Faixa de Gaza, ardilosamente cooptada por espertos que usam a religião para ganhar poder político, desnudou-se em meia dúzia de jovens de classe média com formação universitária e portador da típica-vida-padrão-do-homem-médio nos países ricos.
Isso tudo e ainda querem fazer acreditar que esse homem, educado nos refinados métodos da ciência acadêmica, explode sua vida para entrar em outra abstrata, transcendente e cheia de virgens.
Pergunte a um homem medieval se ele desperdiçaria sua vida em uma Cruzada e ele lhe daria cem motivos terrenos – perdão de crimes, de dívidas, saques – mas, acima de tudo, uma coisa o levava tão longe: a Ordem Divina, aquilo que, na mente pequena medieval, o criou, deu-lhe o que tem e o mantém estratificado na ordem social.
Pergunte a um Papa do séc XX se os negros têm alma, e ele vai procurar na Evolução das Espécies ou talvez nos arquivos antropológicos nazistas – e Pio XII o sabia muito bem, é o Humani Generis.
Mais uma vez: não se enganem. É claro que o islamita acredita que encontrará suas virgens no paraíso, mas é só essa idéia pseudo-racional em sua mente que o faz superar o instinto de sobrevivência? Somente um idiota responderia que sim.
Então, onde está resposta? É aí que reside a cegueira geral. A massa insiste em olhar para o que incomoda no outro em vez de procurar em si mesma. Vejam que a estranheza que se sente ao deparar-se com a notícia de um homem-bomba, aquele eco no estômago perguntado “mas como? por que?”, que as virgens inutilmente tentam aplacar, é a mesma quando se depara com a notícia dos jovens kamikazes do tráfico urbano, que trocam uns poucos luxos mundanos por uma vida que mal passa da adolescência. A pergunta que sentimos em nossa estranheza é: em troca de que estes homens desistem da vida?
Essa náusea estomacal não se aplaca com as respostas no mínimo simplórias que temos ouvido, por isso ela persiste. Um homem medieval aceitaria que seu amigo atirasse-se em uma cruzada suicida em nome de Deus. Já nós, frutos da decadência dos valores religiosos desde o Renascimento, não conseguimos aceitar que essa explicação justifique tamanho sofrimento para os suicidas e suas vítimas. Será que o próprio suicida aceita?
É o que querem te fazer acreditar. Como se seu estômago deglutisse em plena sociedade de massa, onde aiatolás cedem a um presidente de terno e gravata - concessão à ordem política internacional -, que toda uma massa social congelou-se na idade média, imune a meio milênio de revoluções que terminaram por massificar o aparato tecnocultural ocidental. Resumindo, querem te esconder a massificação do mundo, pois aceitar o óbvio não significa aceitá-lo como correto, e isso é o mais pingente exemplo da decadência.
Se nossos cérebros tentam aceitar essa estranheza, nossos estômagos não digerem tamanho sofrimento em razão de Deus ou de valores mais mundanos como tênis e um pouco mais de conforto. Nossas entranhas, aquilo que há de mais fundo em nós, rejeita tamanho sofrimento por não encontrar nada que o justifique, daí o espanto, a náusea e o fascínio que estas formas grotescas de violência provocam. Mais que isso – sequer aceitamos que os próprios suicidas não o sintam, e não é pela incapacidade de compreender o diferente, mas sim pelo que é evidente: vivemos em massa, unificados no império do fluxo, tão bem pensado por Deleuze.
Ouça suas entranhas, perceba que o verdadeiro “por que?” que lá ressoa é a incompreensão da falta de sentido nas nossas mentes e nas dos suicidas. As virgens, o Reebok, ou seja lá que justificação é dada, e isso vai variar em cada sociedade, é a máscara que esconde a verdadeira face dessa falta de sentido no suicídio violento, da morte, do valor da própria vida e, por conseqüência, da alheia.
A violência suicida angustia porque é niilista, vazia. Todos sabem disso. Alguns tapam os olhos com a venda da explicação fácil, outros com a fúria que encontra sua desculpa racional no radicalismo religioso.
Nem sempre foi assim, e é fácil encontrar comparações com a época medieval exatamente porque o que vivemos é o efeito último do seu fim. A concentração no valor humano, portanto mundano, do Renascimento - não há nome mais adequado – retirou a justificativa do sofrimento ao longo dos séculos, pois, se olharmos o mundo como ele é, sem criar nenhuma intervenção metafísica, vemos que nada deseja sofrer – da barata ao macaco. Nós não somos diferentes.
A ascensão da concentração de poder nos estados, por um tempo, ocupou esse vazio nos sentimentos, e nos sentíamos felizes com as causas nacionalistas, morríamos pela pátria até o século XX. Mas, como a igreja, eles também entraram em declínio, e suas aspirações bélicas já começam a provocar certo incômodo, o que ficou bem claro depois da Segunda Guerra Mundial.
Hoje já não encontramos mais nada que nos motive ao sofrimento – nem nacionalismos, quanto mais a fé, que causa maior estranheza ainda. Ao mesmo tempo, não sabemos onde colocar nossos instintos que buscam pelo poder. Por causa disso a sociedade tornou-se altamente competitiva: não conseguindo dirigir para fora os instintos, eles a consomem em uma batalha interna, por isso são tão familiares a visão de um futuro decadente, noir, como nos filmes Alien, Blade Runner, Matrix.
Nisto, muito além dos contextos sociais, encontram-se o homem-bomba islamita, o traficante urbano brasileiro, quem “não tem nada a perder”, afinal, quem nada perde, sequer tem a esperança de um dia vir a ganhar, o que é o mais fundo vazio de motivos para afirmar a vida com suas inevitáveis felicidades e sofrimentos.
Vejam o que acabei de escrever. A própria concentração nesses opostos epicuristas: felicidade e sofrimento, tão presente na psicanálise do séc XX, mostra como, em nossas naturezas decadentes, os instintos não enxergam mais os feitos, mas só seus efeitos.
Os kamikazes modernos, ao contrário dos originais servos do Império Japonês, o suspiro final do nacionalismo como causa, não são homens essencialmente maus, nem vítimas de meros contextos sociais, são sim seres com alta sensibilidade ao niilismo geral que é fruto inevitável do Renascimento, decadentes incapazes de lidar com seus instintos em uma época decadente, verdadeiros intolerantes ao vazio, pessoas essencialmente fracas. Noutras circunstâncias, não tenho dúvidas, lançariam-se sobre lanças islamitas em nome de Deus. Hoje, mascaram-se por detrás de contextos sociais por serem incapazes de olhar para seus abismos. Em épocas de plenitude, seriam heróis do populacho, na decadência, o lixo monstruoso. O mesmo serve para os que cegamente abraçam a causa oposta - são todos espíritos escravos de seu tempo.
Detrás das máscaras de islamita radical e marginalizado social, estão um só homem, a conseqüência última do Renascimento, o niilista. É nele que a morte de Deus torna-se insuportável e, incapaz de carregar o peso da liberdade, deixa-se crucificar no espetáculo mórbido e fascinante da morte – já que não consegue afirmar a vida ao menos afirma seu oposto e é exatamente aí onde ele encontra seu sentido.
Precisei escrever demais, tudo poderia resumir-se no parágrafo anterior, apesar de ter muito mais a dizer. Além disso, nada do que disse é novidade, basta ler Nietzsche. Estou falando de seu último homem, aquele que precede a retomada do valor da vida com base no mundo humano e não na metafísica religiosa. Somente trouxe aqui o exemplo atual. E ainda assim, tem muita relevância o que digo! Só para perceberem como são medíocres as idéias hoje produzidas.
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