01/03/2008

Sobre-viver ou por que nos tornamos tão conformados? Ou a antiepopéia...

Viver é experimentar, sentir. A vida moderna é virtual, como virtuais são suas máquinas, suas riquezas. Destronar o tempo é o impulso que nos faz recriá-la, nos sentirmos vivos. É vivendo que morremos em cada ato de vida - ao sabê-lo único, ao querê-lo novamente sabendo impossível, ver um destino sempre além, ao viver as horas.

Hoje, tiramos a morte da vida. Arrancamos cirurgicamente a experiência do tempo e seu fim. O sobre-trabalho, a superespecialização, o sobre-consumo, o supermodelo do corpo – a economia dos excessos são nossa anestesia para não sentir o tilintar do tempo. Sobre-vivemos.

Excessos em economia, reservas inúteis, as poupanças são a gordura da alma. Por isso a nossa pesa, é lenta, preguiçosa. Poucas são as almas enxutas.

Deuses são imortais. Pergunte a um economista como ele calcula investimentos - jogando risco e retorno no infinito. Ele finge que a história não segue caminhos tortuosos? Não. Ele colocou seu Deus na poupança virtual das finanças – as religiões são anti-históricas.

É na imortalidade, transbordando tempo, que ficamos antinaturais, rígidos. Por isso sempre se levou tão a sério a religião: Sócrates, Jesus ou a Economia.

Nos acúmulos inúteis, diga-se, naqueles que não sentimos, não experimentamos (só poupamos), é que a vida congela-se na imortalidade. Nossos deuses são o que poupamos - poupar é evitar. Por isso as religiões são tão comedidas, elas evitam a vida. Recriamos a farsa do pós-mundo fingindo para nós mesmos que vivemos em excesso, quando, na verdade, nossa imortalidade está no acumular.

Só viver não é mais o nosso fardo, aquilo que se deve poupar, carregar (a cruz, o corpo, as ilusões). Agora, ele se faz por todo o resto. Carregamos o peso da vida eletrônica, coisificada, nossas posses, nossas aventuras higienizadas – somos a antiepopéia que, aliás, não se vê mais por aí. Daí o fascínio, o horror e a estranheza às atrocidades que provocamos.
Perdemos a vida no suicídio da imortalidade, mas não cremos mais em céus, e começamos a perder a fé nas coisas.

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